A vida resolveu dançar a balada do louco
Eramos poucos em quantidade num mundo de muito roteiro, todos encaixados em algum lugar que se repetia e dava seguimento à obra urbana e ainda ritmados com a música. A venda nos olhos permitia apenas lembrar e não mais ler. E era com tudo isso acontecendo, dia de prova. Faltou memória, rima, frases e versos. Tudo esquecido.
Comecei lembrando de um conto que encontrei numa velha praia
Da rua que chega até o mar, fui vendo as águas desde bem longe. O mar se limitava em um pequeno ponto azul (e ainda ofuscado pelo sol), havia muita poluição visual que impedia aquele contemplamento, quase como uma outra venda nos olhos. Bateu uma forte brisa e então, imaginando, me vi voando com ela e partindo pro alto do céu. Livre.
A altura era tanta que prédio nenhum limitou meu olhar
Do alto, fechei os olhos. Foi incoerente com toda a situação que me permitia olhar sem medo e sem impedimento algum, mas a brisa era tão forte que me possibilitou voar (mesmo que me obrigando a entender das coisas do tempo). Realmente, foi como mergulhar. Livro aberto. Tudo voava junto e fui sendo carregado. Era uma delícia.
Com todos os sentidos abertos a dança ainda flutuava em mim
Esse foi o momento do baile mais sincero que já me permiti dançar. Era só eu e todas aquelas nuvens, soltas, aeradas, frescas… molhando lá dentro a estranheza de ser realmente livre. Comecei a chorar com toda a força do mundo (ainda sem abrir os olhos), todos aqueles gritos que nunca escaparam da garganta. Quase morreram entalados.
Por um segundo tive um medo muito grande de não ter onde me segurar
Mas os sentidos me relembraram que eu estava sendo carregado… completamente leve. Dançando a dança do tempo que me faria perder o juízo, elucidar às alturas e entender mais detalhes de mim. Colados na minha pele… presos, agarrados, nojentos e sem tomar banho. A água nunca precisou estar quente pra tocar lá dentro e me deixar limpo. Novo.
Chegou então o momento de olhar pra praia
Extensa e fluída… a praia resolveu existir pros meus olhos como uma pintura cheia de detalhes. Pequenos pontos cheios de segredos e cores que gritavam (só olhando do alto consegui perceber assim). Chegou até mim e eu ainda voando e carregado, abri os braços… deslizei pra bem longe… estavam todos lá, me esperando. Reunidos. Vivos.
A praia agora morava em mim e a lembrança de cada livro também
Não faltava mais nada. Tudo estava dentro de mim e todos os caminhos vivos na minha pele… lisa… beneficiada… mãos e dedos grandes tocando o que escorregava pelos céus… quase como um toque, um conselho, um antigo rumor adolescente. As coisas passaram, o tempo, acabou. E nessa viagem percebi o quanto era importante acabar pra recomeçar.
Nunca mais parei de dançar
Era tão bom ser livre que fiz questão de decorar aquela coreografia
(Tudo isso ainda voando, antes de pousar)
Igor Florim