
O entra e sai dessa casa parece que não é mais o mesmo
O sofá vazio, a televisão desligada
Aquele silêncio
Nunca mais ligaram o rádio no quintal
Foi com ele que eu aprendi a cantar
O chão limpo antes do sol aparecer no céu
E quando raiava, eu acordava junto pra me esquentar um pouco
Depois das longas noites
Era incrível demais gritar as notas das canções radiofônicas
Como se eu estivesse no último minuto da minha existência
Cantando à pleno pulmão – por favor, escutem essa música
Hoje procuro por alguém que já viveu aqui, vejo fotos e lembro dos ruídos deste lar
Que agora apenas ecoam em minha mente
Sem mais nenhum som de verdade
Essa casa já é outra coisa
Preciso partir
Estou insistindo há tanto tempo em um lugar onde não encontro mais nada
Não há o novo
E muito menos o velho
“Tudo na vida acaba, meu filho…”
Escutar isso travava a minha garganta
Dava um nó igual ao que sinto ao lembrar
Parece que eu já previa, mesmo ainda menino, o que estaria por vir
Era uma memória muscular que eu senti naquele momento ao escutar essa frase e que eu sabia que sentiria novamente num futuro
Quando tudo estivesse realmente acabado
É triste abandonar o que eu fui
Quase como uma morte interior
Ou um descaso com as minhas origens
Centenas de crenças limitantes que escutei durante anos
É como se aquele rádio, ou aquela televisão e todas as vozes dessa casa tivesse soado durante a minha vida inteira tudo o que me inibe
Que me faz achar que é pecado prosperar
Que me faz pensar em pecado
Quando eu deveria estar apenas me libertando
Sem perder tempo com essa velha casa
E com as chaves na mão, começo trancando de dentro pra fora
Fechando a porta da velha sala
Dos armários de madeira
Do guarda-roupa embutido
Do quintal
E por fim, estou na calçada passando um cadeado de fora à fora
Daqui uns anos eu volto
Com muita vida, para reconstruir esse lugar
Quero ter uns cinco filhos
Esse é o meu maior sonho, assim que percebi que sou adulto
A minha família vai se amar muito
E escutaremos de verdade uns aos outros
Pois será certo ser tudo o que se é
Lutarei até o meu último segundo de vida para que nenhum de nós seja inibido por coisa alguma
Todos estaremos vivos
E livres
Não tem nada mais bonito do que uma alma liberta
Nos abraçaremos no inverno
E ao jantar, acenderemos uma vela
Só pelo ancestral hábito de contemplar
Deixarei com meus filhos quando eu também partir, toda a sabedoria e amor que eu colhi neste planeta
E a gratidão por terem me escolhido como seu pai
Desde lá das estrelas
Mas até eu raciocinar tudo isso, devo dizer que foi alucinante sobreviver aqui
Já estou do outro lado da rua
Olhando.
Parece que voltei no tempo.
Então isso significa que também progredi com o correr do relógio
Virei outra coisa
Obrigado, casa.
Igor Florim
É como estar caminhando pela infância no princípio e logo depois um movimento em direção ao futuro, dá para notar a mudança, mas mesmo nos planos para o futuro, quando se fala em família, um lar, parece que o sentimento da infância volta, com seus ares bucólicos. Uma apreciável viagem pelo tempo. Gratidão!
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Eu também gosto de rádio Mariel, bem inteligente você sumidão
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muito obrigado!
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Adoro rádio
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eu também
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Bom texto, nada de palavrões ou xingamentos. somente boas lembranças. você tem talento mano!!! continua nessa pegada campeão
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muito obrigado! continuarei…
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gostei do texto, alguns troços em particular, passei minha infancia escutando a radio, hoje, como vivo em España, a radio só tem programas de debates, ODEIO. Mas outra coisa importante que falas, PECADO, adoro pecar, porque tudo que é bom é pecado. otimo.
Partir, recomeçar, sempre é bom, mudamos, crescemos, enfim o caminho é largo, não gosto de linhas retas, prefiro as curvas, ou mesmo o zig-zag que é mais emocionante.
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é mais emocionante
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