
Às vezes os dias se finalizam com cenas tortas
Por caminhos não planejados anteriormente
E tu se olha naquela encruzilhada – exausto pelo dia corrido, sem saber como agir em seguida
Nessa hora você é você de verdade
E precisa tomar uma decisão imediatamente
É aquele momento em que se respira fundo… nenhuma outra ação consegue ser tão imediata e preenchida quanto respirar
Eu não sei para onde ir
Resolvi sentar no lugar mais seguro e invisível que eu pude encontrar por aqui
Me camuflei na calçada
Entre grandes arbustos e alguns cipós
Em baixo deles existem pequenas placas com seus nomes: Chacrona e Jagube
Uma energia de cansaço me dominou nesta noite
Na reta final da jornada do meu dia
E da posição em que estava sentado, apenas me deitei
Eu estava seguro
Naquele momento, pensar era mais importante do que seguir viagem
Me veio tudo na mente
Quem eu sou
Quem
Eu
Sou
O que eu estou fazendo
De onde eu vim
Pra onde eu vou
Me reconectei comigo nesse breve instante
Tudo parecia tão pesado, que era impossível seguir andando
Eu precisava tirar todo o peso
Me desmontar naquela calçada no meio das plantas
Não utilizar mais nenhum músculo do meu corpo
E me suspender em pensamento
Eu abri os olhos e a lua era a protagonista de uma obra de arte
O céu como uma pintura
Com todas as sombras e luzes que a lua deixa em relevo
As estrelas lá longe…
Eu vou para a minha casa
Me levantei, firme, renascido, forte
E fui caminhando feito um tigre
Continuava me sentindo seguro, pois agora não mais invisível e camuflado mas sim – dono da rua
Tudo na minha visão
Todos os cantos desse trajeto
Todas as dimensões invisíveis que ninguém vê
Tudo
Todos
Tantos
Abri a porta de casa
Entrei
Olhei pra tudo
Exatamente do jeito que eu deixei
Tudo isso depende de mim
Se eu não mover, ficam lá – paradas
Me chantageando com sua imobilidade inata
Como se eu fosse obrigado
E sou
Preciso cuidar de tudo isso
Da minha casa
Do mundo lá de fora
Da rua
Do arbusto
Do cipó
Dos esconderijos
De mim
Talvez ninguém nunca vai te perguntar se você está bem
E mesmo assim você continuará vivendo
Mas se você não se auto pergunta…
Tu nunca vai transpassar esse tipo de coisa
Sumir, ficar invisível pra depois brilhantemente seguir seu caminho próprio
Brilhando
Sem desvios
Sem paradas
Sem camuflagens desnecessárias
O dia terminou bem
Fiz muita coisa
Fui além
Então aceito a pequena crise existencial que eu tive
Durou pouco tempo
Tenho me preparado para crises monumentais que pudessem durar anos
Então alguns minutos apenas me revigoram
Um estágio necessário
Peito inflamado de tudo
Esponja que absorveu tantos durante seu dia
E que agora se vê no sofá
Depois de ter escrito mais dois roteiros
Ninguém nunca saberá de coisas assim
Do tanto que eu faço
De tudo o que eu sinto
Das coisas que eu sou
Não sou do tipo de pessoa que fica falando de coisas que não me perguntam
Não quero ser o centro das atenções em uma roda
A menos que me joguem para o centro
E me olhem esperando um show de sapateado
Ou um trovador após seu breve silêncio
Até minhas palavras e sinceros relatos eu liberto quando solicitado
Este sempre sou eu
Mas até lá
São coisas minhas
E me preocupo com cenários tão maiores e futuros, que não vale mais a pena me emaranhar neste tipo de solidão
Querendo inflar meu ego para me sentir bem
E constantemente precisar mostrar todas essas coisas
Talentos
Ideias
Esse tipo de vaidade não mais
Talvez eu tenha feito muito disso em outras vidas
Mas aqui não
Aceitei a exposição
Tenho algumas coisas em mim, que são traços orientais
Talvez em uma dessas vidas, eu tenha sumido no alto de um templo
Então dessas vivências eu já me preenchi
Sou tão eu, que quero agora ser outros
Ouvir mais do que falar
Então quanto mais eu digo, mais eu também me calo
Para ouvir atentamente o que o outro tem pra me dizer
E acreditem, eu falo bastante
Então não estranhem se eu me calar um pouco
Estou ouvindo
Num equilíbrio
Falo em seguida, logo após terminar de aprender mais um pouco
Ou se eu vir algo de errado, falo imediatamente
Perceba, não é o medo de dizer
Mas sim o domínio de palavra
É o oposto de calcular dizeres mas sim…
Dizer o bastante
Fazer quem ouve se calar, e pensar
É isso que eu gosto de ouvir quando estou em silêncio
Tentando entender a complexidade do que tu me diz
Foi isso que eu pensei lá no meio dos arbustos e cipós
Sou um cara de extremos
Mas tem erros que eu não cometo duas vezes
Exatamente por conhecer todos os cantos das coisas
Quase ter caído de todos os precipícios em outros momentos pra agora, já saber como é
Tem coisas que eu não preciso mais
Então não estou perdendo tempo algum
Ter deitado naquela calçada gelada e suja
E me levantar como um novo homem
Marchando
Seguindo em frente
Todos os dias tem sido assim: essa revolução toda
Viver é um ato denso, cansativo, forte
Mas todo ato um dia acaba
E quanto mais eu me cansar, mais saberei descansar
Porém pelo bem da verdade, digo que não preciso descansar muito
Deixarei isso pra uma próxima existência
Aqui quero fazer
Acendi uma vela
Fiz um chá
E peguei um pequeno violão pra sentir alguma coisa nova
Aquela canção falaria de tudo isso
Tudo o que eu não deixei apodrecer dentro de mim
Espremendo até a última gota de vitalidade cair
Escoer
Me mover mais um pouco
Não declarando derrota antes disso
E fiz tudo transpassar
Nunca vai te faltar nada.
Siga sempre em frente.
Igor Florim
desconstrução cada palavra vai desmantelando a frase até valer por si só – exactamente como o indivíduo se despe de tudo até chegar a si mesmo para que de si mesmo chego outro ao tudo. É um texto notável de viagem e de quietude. É um narrador da cartografia do ser mais só e acompanhado do mundo: cada um de nós.
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grato Filipe!
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Igor Florim tem aquele tipo de escrita que reintroduz o caos como possibilidade de ganhos de ordem. Nessa gramática de
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Gostei Igor, muita sensibilidade. Abraços
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grato bia… esse texto foi bem forte em mim qdo eu escrevi! obrigado por vc estar aqui! torna tudo mais especial! bjs
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Eu Adorei essa Matéria
Eu Achei Incrível Demais
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obrigado Ju! que bom que gostou! grato
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Valeu
Mesmo
Eu gosto que você posta a Materia que você postou
Eu Achei Incrível
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