
Hoje cedo eu vim molhar minhas plantas
Ficou tudo tão fresco que resolvi jogar uns baldes d’água no chão e deixar tudo exatamente assim – molhado
Essas plantas falam comigo às vezes
E a casa toda vazia
Então quando venho até aqui, compreendo que algumas coisas ficarão com os meus bons amigos vegetais
Hoje cedo eu peguei o celular e li uma mensagem de despedida
Escrevi sobre a minha partida ontem antes de dormir, e acordo assim – partido
Você se foi
Acho que na verdade nunca esteve por aqui
As plantas se moveram para mim agora pouco
Foi uma dança
Elas bailaram no universo que vivemos
Foi lindo de ver e sentir
Ventou e no universo vegetal isso foi uma revolução, já que elas sentem outras dimensões
Quando o vento soprou com certeza tudo ficou colorido nos sentidos dos vegetais
O mundo é vivo, enérgico, floral
Mandalas de luz se formaram na varanda e as plantas sorriem para mim
Se eu fosse um ser mais sutil estaria observando os seres elementais daqui
De repente algo próximo de pequeninas ninfas, fadas, gnomos
Tudo isso existiu em mim por alguns minutos
Foram as plantas me ajudando
Elas perceberam a minha tristeza ou solidão
E na falta de um abraço, me doaram energia vital e um pouco de amor
Por isso eu retribuo – amando
Um dia entenderemos mais sobre o mundo que vivemos, igual os antigos entendiam
Sabe, me sinto despedido dessas coisas dolorosas
Vá. Vá embora
Se quer ir, vá
Vá para sempre
E feche a porta quando sair. Eu ficarei aqui dentro, imóvel por algumas horas… vivenciando um luto pela sua saída
São os meus pequenos rituais
Mas tudo tem um ponto final. E eu não tenho medo de revolucionar
Então quando a morte acabou em mim, me vi sensível, forte, intuitivo
Ah plantinhas… obrigado pelo acalanto
É uma música essa troca que fizemos
Sim plantinhas. Alguém se foi. Mas que bom, na verdade
Eu adoro coisas concretas
Então se é para partir, que se vá… com toda a força e velocidade, apenas indo embora de mim
Mas não viverei meias verdades
Ou ilusões românticas
Isso nunca
E nesse momento elas choraram comigo
Derrubamos tanta coisa de nós
Líquidos escoem dos nossos corpos físicos
Aceitamos despedidas
O não apego ao nosso próprio ego idealizador é a liberdade do mundo
Abrimos todas as portas das prisões milenares
E agora todos correm
Quase escorreguei nessa água toda
Fui atender ao telefone que toca
Em disparada
Tocando
Correndo
Oi. Tudo bem?
Então… você… quando vai aparecer?
Talvez nunca. Mas desejo que tu seja muito feliz
E desliguei o telefone em seguida
Eu não vou aparecer para qualquer um
Sou livre
Quero viver um novo romance
A vida é isso
Um cigarro queimando no cinzeiro, comida na geladeira, campainha tocando, portas se abrindo
Entre
Essa é a minha vida
Este é o meu lar
Olhe para as minhas plantas… não são lindas?
Há um universo vivo aqui
Mas agora elas estão sonhando
Os minerais adormecem
Os vegetais sonham
Os animais sentem
E nessa sequência vamos do raciocínio réptil aos elevados mamíferos
Até nascermos assim
Amebas humanas
Você ri disso tudo
Desculpe pelas loucuras que digo. É que me lembrei de tantas coisas
Do xamã que eu sou
Do pagé que eu já fui
Ou do bravo romano, cientista maia ou navegante fenício descobrindo as américas
Resgatei até o meu lado tigre
Esse é o meu animal de poder
E em uma vida ancestral, fui um humano felino em outro planeta
Tu ri
Vamos jantar agora?
Desculpe te receber assim. Eu não tenho um encontro faz tempo
Acho que não sei mais flertar
Apenas florir
Talvez tenha uns trinta anos desde a minha última despedida
E resolvi ficar aqui
As plantas me ludibriaram
Envolvendo a sua energia para me animar e despejando seu orvalho para me deixar drogado e quieto aqui dentro
Talvez o mundo tenha pirado lá fora
E eu permaneço aqui
Sente-se. Vamos comer enquanto tudo está quente
O que? Você precisa partir?
Claro que entendo. Adeus
Fechei a porta e não espiei suas costas pelo olho-mágico
E agora talvez eu permaneça aqui por mais cinquenta ou cem anos
Fechado
Recluso
Mas sendo eu mesmo
Sem interferências dos que me querem apenas pelo “humano padrão” que sou
Isso é uma loucura
Definirmos o belo
Entenda que eu nunca irei me ver deste modo
Vejo outras coisas no meu mundo
A bem da verdade formamos aqui dentro de casa um universo atemporal
Eu, as plantas e nossos amigos de outras dimensões
Então o tempo aqui não existe mais
Por isso eu continuo intacto, juvenil, íntegro
E lá fora todos envelhecem
Perdidos
Traídos
Afogados
Mas pronto. Sobrevivi ao luto
Irei agora aproveitar a força que tudo isso me deu
Ao abrir essa porta começo a construção do novo mundo
Iremos além
Ninguém deve sofrer por amor
Todos devem amar
E partir na hora certa
Plantinhas, cuidem de tudo
Ocupem essa casa
Aflorem, por favor
Afinal isso é tudo o que eu sou
Estarão seguras aqui dentro
E na varanda chove, então finquem suas raízes por lá
Um dia eu volto. Adeus – e mais alguém se foi. Desta vez, fui
Acabei deixando tudo para trás
Que bom que fiz isso. Você não imagina o caos que o mundo estava
Irei arrumar tudo
Morrer de amores
E revolucionar a vida
Mas não deixarei que tudo continue assim
Apodrecendo
Portanto, de uma vez por todas: Adeus.
Igor Florim