Eu me lembro de quando os dias começavam bem cedinho

O sol anunciando que iria raiar

E eu já acordado fritando a mente com preocupações do novo dia

Parece que eu não dormi nada nessa noite

O meu corpo machucado, dolorido

A casa agitada

Os amigos partindo

E eu tirando aquela horinha para fazer o meu café-da-manhã, lavar roupas, organizar o meu quarto e só depois seguir viagem

O ônibus cruzando a ponte Rio-Niterói

Toda essa água no mar

Essa gente apressada

Para onde eu vou?

Acho que eu queria ver a minha mãe nessa manhã

Perguntar o que a deixa tão feliz assim, todos os dias

Sinto saudades em ter familiares próximos a mim

Então eu não sei se errei ao me mudar para cá

Talvez eu devesse ir mais longe ainda

Talvez eu errei

Hoje eu tenho uma reunião próximo à praia vermelha

Então é para lá que eu vou

Quero me banhar

Alugar uma prancha e ir até o meio do oceano

Dar bom dia para os militares nadadores do alto mar

Mergulhar profundo

Então depois de uma longa caminhada nessa manhã de sol, cheguei ao meu destino inicial

Tirei a roupa, a praia está vazia

Vou de cuecas nadar

Mergulhei

Subi na prancha

Remei, remei, remei e ao cansar fiquei lá… descansando

Meus pés nas águas

Peixes nadando

Tudo tão profundo

Ei, mãe! Que saudades de você, minha mãe

Ei, pai! Que saudades de você, meu pai

Dei um grito bem alto de olhos fechados

Eu quero acordar o reino dos mares

Por favor, me tirem daqui

Eu errei

Estou muito distante da praia

E voltei ao remo

Remando

Mas para o destino mais profundo que eu posso encontrar nessa manhã

Quando eu notei, a praia desapareceu

Acho que no meio do mar o dia é dia de uma maneira diferente

Estou sozinho

E essas águas profundas são tão geladas

Sinto que vou morrer

Nunca senti isso antes. Todos tem o seu momento de partir, não é mesmo?

Então que a revolução me parta no meio

Naquele mesmo momento eu me desliguei do meu corpo, saí voando

E ele sentado caia nas águas

O meu corpo caído

Afundando

Rumo ao mais profundo de mim

E fui voando para a reunião

Eu não perco compromissos

Todos me olharam ao chegar voando mas não perguntaram nada. As grandes metrópoles são assim… a menos que você peça ajuda, ninguém te ajuda a levantar do chão numa queda

Dizem que é humilhante demais para o caído

E esperam o pedido de socorro

É uma forma de não se envolverem na energia dos outros

Eu os entendo

Os orientais são assim

Então comigo voando foi a mesma coisa

Por mais estranho que fosse, me ignoraram

Eles querem apenas que o dia termine e eles voltem para suas casas

Para chegar e cair desmaiado no sofá

Até que o dia se reinicie

E seus sonhos nunca aconteçam

E assim como tudo na vida, passou… a reunião acabou

Fui para Ribeirão Preto dar um beijo na minha família

Eles estavam sorrindo, como sempre

Que lindos eles são

Voltei imediatamente cruzando os céus rumo ao meu corpo, no meio do oceano

Ele afundava, sorria também

E então acoplei

Nossa, quanta água no meu pulmão

Mas a vida é isso, essa imortalidade toda

Então nadei para cima

Respirei ao encontrar a superfície

Estou gargalhando

Rindo como se o mundo fosse essa risada

Que loucura isso tudo

Quem imaginaria?

Acho que o erro foi um acerto

Ou então não haja erros na vida e até na mais complexa falha você também irá evoluir

Um fato é que é impossível inexistir

Tive essa certeza ao voar pelos céus

O meu espírito é livre

Mas por hora ele tem um corpo, então irei trata-lo muito bem

A prancha sumiu

Deve ter sido arrastada pelo fluxo das águas

Porém eu farei a travessia a nado

Golfadas rubras de respiração e meus braços agindo

Minhas pernas agitando

E a velocidade voltando a me consumir

Cheguei. É final de tarde

A praia lotada

Todos saem dos seus trabalhos e passam em algum cantinho do oceano

Refrescando suas mentes

Hidratando seus corpos

Mãe!!! Pai!!! A vida é uma revolução

Somos imortais, meus amores

(Eu gritando essas coisas no meio da areia)

Olhares para mim

Querem-me assim: calado

Mas vou falar e escute quem quiser

Farei a minha mala ao chegar em casa

Não sei pra onde eu vou mas seguirei assim, sem saber

Atravessei a ponte novamente

Recolhi minhas roupas, montei minha mala e voltei para a rua

Ah!!! O Rio de Janeiro a noite é lindo também

Tudo está bem fresquinho

O ar noturno vem lá do meio dos mares

Voar foi a coisa mais linda que eu pude fazer por mim

E a morte… ela nunca existiu

Tolos os que se matam, pois fazem sozinhos, ainda em vida

Se não pensassem assim, viveriam para sempre

Mas somos livres para decidir o mundo que iremos

E eu estou decidindo para onde eu vou agora.

Igor Florim

Publicidade