
É estranho pensar que esses são os meus últimos dias nessa casa, nesse bairro, nessa cidade
Não vou para muito longe mas independente disso nessa casa eu não irei mais morar
Esse lugar tem um ritmo próprio. Uma manhã agitada, uma tarde de finalizações, uma noite completamente iluminada e vazia de pessoas e as madrugadas que nunca acabam
Elas ficam existindo até que você finalize os seus dramas
E as madrugadas são oportunos momentos para matar tudo o que não precisa renascer na manhã que se aproxima
Acho que lembrarei de tudo, até da padaria no final da rua ou do vizinho que pela intimidade comigo já reclamou da música alta e do cheiro de cigarro
Mas ele reclama de tudo, então rapidamente desapegou dessa queixa e voltou falando de outras coisas
Parei para pensar no tempo em que eu vivi aqui
Acho que eu poderia ter feito mais coisas, sabe?
Há lugares próximos que eu nunca visitei e na maioria das vezes, por preguiça ou falta de interesse
Porém dediquei o meu tempo a outra coisa
Foi assim que eu cheguei aqui
Então independente de tudo, sem arrependimentos
Mas sentirei falta. Aqui foi o meu lar. As noites que eu dormia bem tarde, o silêncio do bairro, o barulho que o vento faz nas árvores… e eu pensando nas coisas que trabalhava
Foi assim que eu cheguei aqui
Até aqui
Porém ainda tenho algumas noites
Hoje eu vou sair
Os meus amigos ficam me ligando, querendo que eu esteja com eles quase sempre
E eu estou
Eles são incríveis
Agora já estou saindo de casa
Mas dessa vez muito seguro e bonito
Me trabalhei muito
Fechei a porta. Olhei para a fachada do meu lar e pensei em tudo o que escrevi até aqui. Ah que saudades eu sinto de laranjeiras
E enquanto subia a rua, olhei algumas vezes para trás. Estou tão feliz. Parece que o mundo vai acontecer e eu aqui, com um pouquinho de medo do acontecimento… talvez seja o meu lado caipira do interior paulista
Um passo de cada vez
Já estou em outra rua
Foi um piscar de olhos para que tudo mudasse. A minha antiga casinha está aí para trás – em algum lugar para trás
E hoje eu vou para frente
O tempo fluiu novamente
Dias passam, noites passam
E eu na eterna aventura da rua. Ainda caminhando. Entro em baladas, revejo amigos, visito apartamentos, tenho encontros, caminho nos parques e sempre dou uma pausa no happy hour que me espera aos finais de tarde
Me perdi um pouco no passar do tempo. No escoar das horas e no alívio que dá quando muitos dias se passam quase sem notar. É o tempo arrebatando o mundo… Tanta coisa aconteceu desde que eu saí da minha antiga casa
Já não sei onde estou
Talvez exista alguém me esperando
Continuo bonito e bem arrumado
Nem parece que existe o caos na minha vida
E no meio desse apogeu me liberto de tudo
Os deuses continuam me chamando e eu fingindo que não vejo nada
Mesmo distantes daqui
Olá, tudo bem? O que você vai fazer hoje a noite?
Talvez encontrar você que há tanto tempo não me liga
Não se importa mais comigo?
Não nota que estou vagando na rua há séculos?
E se você não me ligasse, pra onde eu iria?
Agora que todos se foram, é pra mim que você liga
Estou chegando
Navegando pelas ruas
Quase levito
Veloz
É pra você que eu me movo
Mas não foi eternamente assim
Sinto saudades de laranjeiras
Estou de bermudas, passei pela praia
Posso subir descalço?
Molhei o meu tênis que está na mochila
Essa vista. Eu amo essa cidade. Você sabe que eu não sou um cara de meios termos. Essa coisa de intensidade é o lugar de onde eu venho
Ando meio perdido, sabe? Agora que entreguei a casa, tanta coisa mudou
E eu fico na expectativa de encontrar coisas que já mudaram
Porém… preciso desapegar disso tudo
E realmente não me nutrir de nada que venha do passado
É um breve adeus
Mas eu recomecei como a madrugada
Continuarei andando para frente
Eu te ligo quando você precisar de mim, agora irei partir
E sumiu.
Tudo acontecera.
Igor Florim