Parece que as suas mãos me consomem

Você me puxando para junto de ti

E essa cidade toda inabitada

Indo reto por aqui chegaremos até a praia

Porém essas esquinas são caminhos tão mais interessantes

A noite é assim

Começa com o mundo todo querendo participar do anoitecer mas logo depois todos vão dormir

E alguns ficam perdidos pela escuridão

Numa dessas te encontrei triste, sozinho, sem sono… tudo isso era você por essas ruas desertas

Como você me encontrou?

Sabe… não foi tão difícil. Parece que todos os caminhos trazem para essas ruas, aqui nessa cidade

No hotel ninguém estava acordado também

Virei para o lado e a cama vazia, o quarto solitário, a varanda vaga

Você é tão idêntico a mim que a possibilidade de eu ser você ou você ser eu nessa história é muito grande

Então abri a porta e vim andando até aqui

Essa cidade é muito antiga

Imagina a quantidade de seres velhos que ficam vagando por essas ruas

Sem nos excluir dessa conta, claro

Você sabe que a gente já nasceu velho

Eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Parece que o mundo acabará

Numa hora dessas, acabará

Vai ser simples assim

Então eu precisava fazer alguma coisa

Levantei, não te vi em lugar nenhum e saí andando pelas ruas

A lua iluminando o trajeto

E eu me manifestando quase igual a uma entidade… me arrastando pela madrugada

Talvez essa impressão acabe quando o sol voltar

Mas você… eu não sei como você está

Pegue um vinho no hotel e volte aqui para me encontrar

Eu voltarei com os nossos cigarros indígenas

A madrugada é pra isso, essa aventura toda

Afinal você saiu de casa sozinho e eu também

Portanto a nossa missão ainda não acabou

Ele foi correndo pegar o vinho no frigobar do hotel

E eu, encontrar um cigarro numa hora dessas

Na praia há alguns homens que fumam o tempo todo

A polícia não os atrapalha, afinal, eles são mais antigos do que a polícia

Então quem sabe eles perderam o sono e estão fumando um cigarro

Dito e feito

Eu não conheço vocês mas estou precisando muito de um cigarro

É um daqueles momentos em que a madrugada espera por isso

E eu volúvel, assoprando velhos cachimbos, evaporando chaminés em mim

É inacreditável que vocês fumam esse tipo de coisa

Parece que eu voltei no tempo e estou em 1870

Ou fomos até a Califórnia agora em 2020 mesmo

É a coisa mais pura que eu já fumei

Voltarei para fumarmos juntos em outro momento

Até breve meus velhos amigos

Saí correndo pelas ruas

Algumas janelas se fecharam com o barulho da minha corrida

Acho que temem algum invasor

Mas eu não. Eu só quero encontrar o meu cara

Ele não estava no local combinado

Então fui até o hotel

Ele não estava no hotel

Obviamente continuei a corrida… correndo pela cidade… eu e o meu cigarro bolado

Parei no meio da rua, olhei para o céu e tudo quase congelou

É nesse momento da madrugada em que o céu chora e a lua suspira

Todos dormem

É um momento imóvel

Ao longe encontro quem eu tanto busquei

Caminhando com uma garrafa na mão

E sorrindo

Eu acendo o meu cigarro

Vou andando até ele

Ascendendo

Sorrindo

Ele me dá o vinho e eu passo o cigarro

Abracei tão forte aquele cara. Poxa, você está aqui comigo

Sabe o quanto seria comum essa madrugada ser um monólogo meu?

Mas agora não

Tenho você aqui comigo

E sem soltar o abraço olhamos para o céu

Ele dançava em cima de nós

Pronto. Descobrimos o por que de não dormirmos nessa noite

Era pra terminarmos assim

Juntos

Respirando esse sereno lunar

Sugando essa fumaça indígena

Bebendo esse líquido sagrado

Eu fiz alguns amigos na praia. Depois vamos até lá. Quero te apresentar o mundo inteiro.

Igor Florim

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